Vila do Arvoredo rompe com as negociações com a Prefeitura de Florianopolis.

Madrugada do dia 16 de junho, os termômetros marcam entre quatro e cinco graus, uma das noites mais frias do ano em Florianópolis. Na noite anterior, Modesto Azevedo, da União Nacional por Moradia Popular, saiu da sua casa no bairro Tapera para se juntar aos moradores da Vila do Arvoredo, conhecida como “Favela do Siri”, no bairro Ingleses em Florianópolis. O militante passou a noite na comunidade, na casa de outro lutador, Nivaldo Araújo da Silva, vice-presidente da Associação dos Moradores da comunidade e morador da Vila do Arvoredo há oito anos.
Após a noite gelada, nas primeiras horas da manhã, Modesto e Nivaldo se juntaram a moradores do bairro para protestar. A manifestação organizada pela União Nacional por Moradia Popular, Associações Florianopolitana de Entidades Comunitárias e a Associação de Moradores da Vila do Arvoredo pretende romper com “enganação” da Prefeitura Municipal de Florianópolis. Faixas, cartazes e gritos de ordem esquentam as pessoas para a luta. Crianças, jovens e adultos se unem para reivindicar seus direitos. Uma das frases, em um cartaz carregado por uma criança, estampa o capítulo I, do artigo 5° da Constituição Federativa do Brasil: “Todos são iguais perante a Lei”. Mas, infelizmente, o semblante dos moradores da comunidade demonstra que, na realidade, as coisas não são bem assim.
Há muito tempo as pessoas que ocuparam esta região de dunas, uma área de preservação permanente, lutam para garantir melhores condições de moradia e de vida. Quem chega no bairro dos Ingleses nem imagina a situação e as numerosas dificuldades que os moradores da Vila do Arvoredo têm que enfrentar diariamente. Ao contrário de grande parte dos Ingleses, que é ocupada por grandes casas, pontos comerciais, hotéis e restaurantes, a comunidade é formada por casas simples, algumas de alvenaria, outras de madeira e telhado de Brasilite. Asfalto nunca chegou, lixo se acumula por todos os lados, sistema de tratamento de esgoto não existe. Algumas casas sequer possuem água encanada e a fiação que conduz a energia elétrica é antiga e com ligações clandestinas.
Uma das maiores ameaças à saúde e à vida dos moradores são as dunas. Os ventos fortes fazem com que elas se movam e invadam as moradas. Casas e ruas inteiras correm o risco de serem soterradas.
Por muito tempo a “Favela do Siri”, que possui cerca de 90% de seus habitantes vindos de outras cidades, foi deixada de lado e abandonada pelos governantes da cidade. Grande parte dos moradores possui documentos que comprovam a compra dos terrenos, desmentindo o que é divulgado pelos políticos que alegam que a comunidade é resultado de uma simples invasão. Recentemente, um grande empreendimento imobiliário, o “Costão Golf”, também instalado em uma área de preservação permanente, como o famoso hotel Costão do Santinho, chamou a atenção sobre a comunidade. O condomínio Costão Golf faz parte do Grupo Marcondes, que alega que a “Favela do Siri” impossibilita os clientes do grupo de apreciarem a “bela vista” do teleférico que irá percorrer a região, ligando os dois empreendimentos do Grupo Marcondes, o Costão Golf e o Costão do Santinho.
Glauceli Carvalho Santos Branco, a “Galega”, da Associação dos Moradores, diz que a partir de questionamento do grupo Marcondes, a prefeitura da cidade começou a se empenhar para retirar os moradores do lugar.
Foram várias reuniões e audiências que levantaram algumas possibilidades para a remoção dos moradores. Um dos possíveis lugares que foram oferecidos para abrigar a comunidade é um terreno no Capivari de Baixo. Outro, um terreno que pertence à Casan, que fica num banhado nos Ingleses. Em ambas as opções a Prefeitura tem oferecido de três a cinco mil reais por casa ou terreno dos moradores da Comunidade do Arvoredo. Essa quantia é considerada insuficiente por eles, que afirmam que “com cinco mil não dá pra construir casa alguma”.
Glauceli, mãe de cinco filhos e moradora da comunidade há dez anos, conta que os moradores fizeram um acordo com a prefeitura. Eles se comprometeram a não permitir novas ocupações e nem o aumento das casas que já estão construídas enquanto não conseguirem dar um desfecho para a situação. Com a atuação da associação de moradores o número de famílias diminuiu. Anteriormente eram cerca de 220 famílias, hoje são 165. A Floram – Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis fez um levantamento e demarcou as casas da comunidade, ficando proibido o aumento ou reforma delas.
Glauceli explica que a comunidade cumpriu rigorosamente sua parte do acordo com a prefeitura que, por sua vez, não cumpriu sua parte e até agora só tem “enganado” os moradores.

Com os pés no chão

A manifestação “Com os pés no chão para acabar com a enganação”, realizada pelos moradores na manhã do dia 16, serve para marcar o rompimento do acordo com a prefeitura. Eles reclamam que enquanto ficam impedidos de realizar melhorias em suas casas, um terreno em frente à favela, localizado a cerca de 15 a 20 metros das primeiras casas, durante o fim de semana foi cercado. Ali levantou-se uma casa e um “motor-home” (ônibus-casa) ocupou o lugar, que já conta com fornecimento de água e luz. O terreno que pertence à procuradora federal Edma Silveira Coelho servia de campo de futebol para os moradores da comunidade e ali eram realizadas as festas juninas, de fim de ano e das crianças. Edma explica que possui escritura pública do terreno e há 15 anos paga o IPTU. A procuradora conta que foi multada algumas vezes por má conservação do terreno, já mandou cercar duas vezes o local e recentemente pagou para serem tirados 15 caminhões de lixo e entulho do terreno. Como só tinha despesas e não conseguia fazer nada no terreno, Edma resolveu cercar e fazer a construção. Ela conta que a Fatma embargou verbalmente a obra.
Com a construção da casa os moradores se sentiram “traídos e enganados” pela prefeitura. Eles explicam que a “bronca” não é com a dona do terreno que, segundo eles, também é vitima e tinha o direito de construir. “O problema é que nós não podemos colocar nem uma tábua a mais nos barracos que estão caindo, enquanto os que têm dinheiro constroem uma casa no mesmo lugar. São dois pesos e duas medidas”, desabafam alguns.
Na manifestação a posição dos moradores ficou clara. Em nenhum momento as palavras de ordem e os gritos de revolta se dirigiram aos donos da casa construída no local. Nivaldo Araújo, quando falava ao microfone, trazia nas mãos a Constituição brasileira, que ele chamou de “ a Bíblia do cidadão”. A Constituição diz: “A moradia digna é um direito de todo brasileiro”. Por isso, os moradores da Comunidade do Arvoredo estavam ali, para exigir que seja cumprida a Constituição. Uma faixa vermelha, com palavras escritas em branco e preto confirma: “Comunidade do Siri unida por Moradia Digna”.
Logo ao lado, um grupo de jovens demonstra o orgulho de estar na luta e empunham uma faixa com os dizeres: “100% Comunidade do Siri”. Os irmãos Adriano e João Carlos Goulart e o amigo Wanderlei Lopes fazem parte do grupo de rap Anjos da Rua, que trabalha com música, dança e grafite na comunidade do Siri. Eles também são voluntários da ONG Gente Amiga, do Morro do Horácio e, agora no inverno, estão realizando uma campanha do agasalho para ajudar a população do Siri.
O ato dos moradores da Comunidade do Arvoredo termina com o compromisso de organização de um Projeto de Moradia Digna, encabeçado pelos próprios moradores. “Agora rompemos com a Prefeitura, vamos andar com nossas próprias pernas”, avisa Glauceli, a “Galega” da Associação de Moradores