Publicado originalmente em (1) Jornal O Globo e (2) O Globo Extra

O Congresso aprovou, no último dia 8, o novo programa habitacional criado pelo governo federal, com juros subsidiados e foco no Norte e Nordeste, mas deixou fora justamente o contingente que mais engrossa o crônico déficit de moradias no país. Ao instituir o Casa Verde e Amarela para substituir o “Minha casa, minha vida”, o governo excluiu a chamado Faixa 1 do programa anterior, para famílias com ganhos de até R$ 1.800, que subsidiava casas com prestações que não excediam 10% de sua renda. No entanto, são exatamente as famílias mais pobres, que estão neste segmento, que mais precisam de uma política habitacional no Brasil.


O trabalho preparado pela economista Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção da FGV, calcula que 41,6% do déficit habitacional do país se referem a famílias com renda de até um salário mínimo (R$ 1.045) . No total, são 7,78 milhões de famílias que vivem em moradias precárias ou gastam com aluguel mais que 30% do que ganham, numa realidade que mudou pouco nos últimos anos. Em 2004, eram 7,9 milhões de famílias à espera de um teto. — Essa população não vai conseguir financiar 30%, 40% do imóvel. Precisa ter uma solução para esse grupo, que pode ser até aluguel social, mas nada foi apresentado ainda — afirma Castelo. — Mesmo na faixa de R$ 2 mil a R$ 4 mil do Casa Verde e Amarela, vai ser preciso um
volume maior de subsídios.


Cerca de 90% do déficit estão entre quem ganha até três salários mínimos.
Sem a primeira faixa do “Minha casa, minha vida”, o foco do Casa Verde e Amarela agora são famílias em três grupos, que ganham até R$ 7 mil reais e podem arcar com as prestações dos financiamentos, cujos juros variam de 4,25% a 8,16%, dependendo da faixa de renda, região e se o mutuário é cotista do FGTS. Embora o novo programa — criado para dar uma marca à
política habitacional do governo Jair Bolsonaro — não tenha acabado com os contratos do “Minha casa, minha vida”, o orçamento para as famílias mais vulneráveis foi praticamente foi zerado, observa Castelo. Criado em
2009, o “Minha casa, minha vida” — vitrine dos governos Lula e Dilma — chegou a contratar 500 mil unidades para a Faixa 1 em 2013. No ano passado, foram apenas 1.500. E nada este ano.

Segundo a pesquisa da Abrainc, o déficit por gasto excessivo com aluguel subiu de 1,51 milhão de moradias para 3,34 milhões. A valorização dos imóveis, principalmente nos grandes centros, tem encarecido o aluguel.

Sonhos cancelados

A assistente social Sandra Aparecida Kocura viu a luta do Mutirão Carolina Maria de Jesus, em São Paulo, do qual faz parte, se esvanecer. A seleção para o “Minha casa, minha vida” foi cancelada. Ela paga aluguel, mas teve que se mudar no meio da pandemia. A dona do apartamento em que morava pediu o imóvel para o filho, que ficou desempregado na crise: — Tive que me mudar em um mês. Fui morar no lugar que consegui, com muita umidade, falta de ventilação, o que não é adequado para meu filho Enzo, de 12 anos, que tem asma. Pago R$ 600
de aluguel.


Sandra Romão de Souza, de 61, está à espera de um financiamento nos moldes da faixa 1 do “Minha casa, minha vida” Entidades, vertente que dá acesso à casa por meio de cooperativas e organizações sociais. Ela faz parte
do grupo Mulheres Guerreiras da Esperança, no Rio: — Nosso projeto foi paralisado. A gente tem um sonho, trabalha tanto, para ter a casa, mas com esse novo programa, não vou conseguir.

Ministério diz que faixa 1 não foi encerrada

Segundo o Ministério de Desenvolvimento Regional, a faixa 1 não foi encerrada: “Os recursos disponíveis para o próximo ano são suficientes para concluir as 266,5 mil unidades contratadas que estão em andamento e retomar as 96 mil moradias com obras paralisadas. Caso haja suplementação de recursos, novas unidades dentro dessa modalidade poderão ser contratadas.”