Pronunciamento : 7 anos de luta do MDT pelo DIREITO AO TRANSPORTE PÚBLICO DE QUALIDADE
para 16a Semana de Tecnologia Metroferroviária, São Paulo,  16 de setembro de 2010.
Nazareno Stanislau Affonso, Coordenador Nacional do MDT


Há sete anos, nesta mesma sala, em uma sessão da 9a Semana Tecnologia Metroferroviária, fizemos o lançamento do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos – conhecido pela sigla MDT. O nome é longo porque precisava – e ainda precisa – dar conta de todos os principais aspectos da democratização da mobilidade urbana no Brasil. Ou seja, a mobilidade deve ser garantida como um direito. Feita principalmente por transporte público de qualidade, com o menor impacto ambiental possível, e com tarifa que todos possam pagar.  E também deve favorecer o desenvolvimento econômico do país e dos seus cidadãos.

O MDT é um movimento suprapartidário, que reúne organizações não governamentais, trabalhadores, sindicatos de trabalhadores e empresas operadoras de ônibus e metrô, movimentos sociais e sindicatos e associações profissionais – como a AEAMESP e ANTP. Em 5 de setembro de 2003, quando o MDT foi aqui apresentado, trouxe cinco eixos de luta como diretrizes de ação. E o movimento perseguiu esses eixos. 

O que eu quero fazer aqui é um breve balanço do que desses eixos foram conquistados nestes sete anos, aproveitando para apontar o quanto ainda teremos de lutar para conquistar um transporte público de qualidade no âmbito de uma mobilidade sustentável para todos e todas.
 
PRIMEIRO EIXO: Mobilidade para todos

Trata-se do programa de acessibilidade, definido pelas leis no 10.048/97 e lei no 8078/90 e pelo decreto regulamentador no 5296/04; na elaboração desses instrumentos legais, aos quais, a ANTP que coordena o MDT, teve papel preponderante. Esses decretos já fizeram com que hoje só possam ser vendidos ônibus acessíveis para operar os serviços de transportes públicos veículos. O sistema metroferroviário, mesmo antes da lei, já tinha implantado elevadores em suas novas linhas e têm adequado os seus sistemas mais antigos a esse requisito. Pela legislação, estações terminais, pontos de parada, calçadas, prédios públicos e mesmo calçadas e habitações estão previstas que sejam acessíveis até 2014.

Outra vitória está nos avanços na qualidade da proposta e na tramitação no legislativo federal do marco regulatório da mobilidade urbana, consubstanciado no conhecido Projeto de Lei da Mobilidade Urbana – PL no 1687/07. O texto cria diretrizes para uma política nacional de mobilidade urbana focada nas atribuições da União, dos Estados e dos Municípios, nas formas de financiamento e de desoneração dos custos, na regularização dos serviços através de licitação, no disciplinamento do uso dos automóveis , na prioridade das políticas e investimentos públicos para os modos coletivos e não motorizados e estabelece direito dos usuários, entre outros avanços.

A elaboração desse Projeto começou por iniciativa da ANTP, em 1986; nos anos 90, evoluiu para o projeto do então deputado federal e atual governador de São Paulo, Alberto Goldman; atravessou as gestões dos presidentes Fernando Henrique e Lula, recebendo inúmeras versões. Em 2008, finalmente foi encaminhado a Câmara Federal, mas ficou ‘congelado’ por um ano e meio, até que em maio de 2010, por iniciativa da deputada Ângela Amin, que se empenhou muito em fazer essa matéria avançar , elaborou-se um substitutivo, que teve a colaboração significativa da sociedade civil, em particular daqueles segmentos representados no Conselho das Cidades.

O MDT através de suas entidades filiadas e parceiras e demais representações do Comitê de Mobilidade do Conselho das Cidades elaborou uma proposta que gerou uma Resolução de Recomendada, aprovada pelo Pleno do Conselho, indicando mudanças em 12 dos 30 artigos do projeto e a inclusão de quatro novos artigos. Essas propostas foram acatadas em quase toda sua totalidade pela relatora a deputada Ângela Amin. Seu substitutivo foi aprovado por todos os partidos da comissão especial da comissão permanente de desenvolvimento urbano e finalmente aprovado sem mudanças pela Câmara Federal. Agora que a matéria chegou ao Senado, nossa luta será para que seja aprimorada e aprovada e sancionada durante o primeiro semestre da próxima legislatura.

SEGUNDO EIXO: Investimentos permanentes no transporte coletivo
 
Lembro-me de que, desde o início, todos os participantes do MDT insistiam neste ponto: o transporte público de qualidade para todos e todas deve fazer parte da agenda política e econômica do país. Avançamos nesse final de governo neste aspecto e há boas perspectivas de novos avanços no próximo governo. O governo federal instituiu um ‘PAC da Copa’ com previsão de mais de onze bilhões de reais em financiamento para implantação de sistemas estruturais de Transportes públicos nas cidades-sede.  O governo paulista, nos últimos quatro anos, destinou 23 bilhões de reais
sobretudo para a ampliação do metrô e a requalificação da CPTM.

O PAC 2, anunciado por esse governo, propõe R$ 24 bilhões para a mobilidade sendo R$ 6 bilhões a fundo perdido (OGU), tendo já distribuído R$ 6 bilhões para pavimentação em localidades em que as calçadas e vias de ônibus ganharam prioridade, e promete para após as eleições os outros R$18 bilhões para o chamado PAC da Mobilidade onde os sistemas estruturais das cidades com mais de 300 mil habitantes serão contemplados. Falta ver se há novas promessas de campanha dos candidatos(as) a presidente do país.

Estes são exemplos de que a mobilidade já ingressou na agenda política. Mas, a meu ver, falta ainda o principal, que pode ser resumido em duas palavrinhas: garantia de continuidade. O setor não pode viver da vontade deste ou daquele governo; é preciso que a mobilidade tenha uma planificação com metas de médio e longo prazo e conte com uma política de estado legitimada socialmente e em leis que garantam recursos permanentes independente do governo para que o país possa vir a constituir uma mobilidade cidadã e sustentável para todos e todas.     

TERCEIRO EIXO: Barateamento das tarifas para a inclusão social.

Nesta luta, desde 1992 quando, em Porto Alegre, se lançou o ‘programa de barateamento das tarifas’, idéia que foi passando pelos governos federais do presidente Itamar Franco, que se comprometeu com as propostas dos prefeitos e secretários de transporte; depois, pelo governo Fernando Henrique Cardoso, chegando a formas mais explicitas no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Houve uma enxurrada de promessas e, infelizmente, durante esses anos,,e mais particularmente nos últimos sete anos de existência do MDT, nós tomamos “um baile” na esfera federal. Foram idas e vindas, discussões sobre um pacto federativo, manifestações de intenção, mas nada concreto.

Cansados da indefinição do governo federal pelo menos 9 estados e  9 municípios tomaram iniciativas efetivas para desonerar insumos para baratear as tarifas e posso garantir que todos que a população ficou  satisfeita com os resultados.

Além de não faltar a nenhum encontro ou debate que pudesse redundar em um alguns tipo de acordo político para redução tarifária, o MDT fez algo muito positivo neste campo: EM 2005, coordenou a campanha pública, de caráter publicitário, denominado “Tarifa cidadã – Transporte com inclusão social”, que teve a adesão de mais de 120 cidades. O grande mérito dessa campanha foi explicar para a população, de modo muito claro, a injustiça do usuário ser o principal financiador das tarifas pagando a totalidade dos tributos e das políticas sociais dos governos onerando em praticamente 50% as tarifas e, assim, excluindo dos sistemas os setores mais pobres da população e inviabilizando o poder público local poder oferecer um serviço de qualidade para a população. Tudo resultado de uma política de estado que trata o transporte público como simples questão de mercado e dedica sua política de mobilidade a garantir a fluidez, e facilidades para a compra de automóveis e motocicletas, com a renúncia fiscal de valores significativos, na casa dos bilhões de reais, e obras viárias usadas em praticamente sua globalidade pelos modos individuais motorizados.

Outra grande vitória na política do barateamento das tarifas foi a implantação da tarifa temporal conhecida como ‘Bilhete Único’ , implantada plenamente em São Paulo e em sua região metropolitana e na cidade de Campinas-SP. Foi seguramente a mais significativa medida de barateamento implantada no País neste período de existência do MDT. Ela permite que o usuário estabeleça sua própria integração e complete o seu deslocamento com uma tarifa apenas, sem precisar pagar várias tarifas para chegar ao seu destino. 

O bilhete único minimizou mas não eliminou o problema das pessoas que eram obrigadas a fazer uma parte do seu trajeto diário a pé para o trabalho ou para a escola, e outros que dormiam como indigentes nas ruas centro da cidade, impossibilitados de ir e voltar do trabalho por falta de recursos e acabam não podendo participar do mercado de trabalho, ou usufruir das possibilidades e serviços das cidades.

Inspirado nessa experiência e nas propostas da Tarifa Cidadã do MDT, foi aprovado na Câmara Federal e se encontra em tramitação no Senado um projeto de lei
estabelece medidas de desoneração fiscal voltadas para o barateamento das tarifas e o fim das gratuidades bancadas pelos passageiros pagantes, bem como a adoção do sistema integrado temporal    ‘Bilhete Único’ –  ou integração em terminais. Estabelece também a isenção de diversos tributos das três esferas de governo incidentes sobre a prestação de serviços e insumos do transporte coletivo urbano com transferência direta e imediata dos ganhos para o usuário, que passará a pagar uma tarifa menor.

Outro projeto, que institui o chamado ‘Vale-Transporte Social’, continua ‘tartarugando’ no Congresso; paralelamente, a Secretaria de Transporte e Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades chegou a propor uma Bolsa Mobilidade para as famílias que recebem a Bolsa Família, mas essa idéia não prosperou e projeto precisa ser retomado na próxima legislatura.

O desafio é, portanto mobilizar a sociedade convencer os novos governos estaduais e federal  para que se engajem em uma política de inclusão social, tirando das costas dos usuários os tributos cobrados nos transportes públicos e que as políticas sociais de gratuidades fiquem sob responsabilidade das instâncias de governo que as criaram. Esses recursos públicos para financiamento dessas gratuidades  poderão ser levantados mediante a taxação da gasolina, ou dos estacionamentos, via pedágios urbanos e por meio de quaisquer outras medidas que reduza um pouco os privilégios concedidos aos automóveis e motocicletas, bastando vontade política se fazer presente.

QUARTO EIXO : Prioridade do transporte público no trânsito.

O objetivo é garantir maior velocidade e conforto para os usuários do transporte público e menores custos operacionais,retirando os ônibus e veículos leves sobre trilhos, quando vierem a ser implantados, fora dos congestionamentos dos carros e integrados ao conjuntos dos modais de transportes com sistemas cicloviários e calçadas acessíveis melhorando a qualidade e reduzindo as tarifas. Esse eixo conseguiu recentemente algum avanço através dos recursos provenientes do PAC da Copa, que mostra 34 BRTs estão com recursos garantidos. Os corredores segregados de ônibus e VLTs são ações estruturais para atender esse eixo mas necessitam um numero bem maior de investimentos nas demais cidades do país.

A cultura da fluidez dos automóveis perdura nos órgãos de transito, que poderiam nos horários de pico, priorizar o transporte público, como fez a cidade de São Paulo em curto espaço de tempo. Mas sempre é tempo de reduzir as faixas de rolamento dos automóveis, entregando este espaço aos ônibus; ou proibir o estacionamentos de carros nas vias em que trafegam os ônibus delimitando espaços de circulação dos ônibus com taxões e proceder à fiscalização eletrônica para garantir a fluidez dos ônibus nessas vias públicas .

QUINTO EIXO :Transporte público com desenvolvimento tecnológico e respeito ao meio ambiente.

Ainda há no País largo uso do diesel com níveis de enxofre de 2 mil partes por milhão, melhorada nos principais centros com um padrão de 500 partes por milhão, e agora, a muito custo, com 50 partes por milhão ( S 50) em algumas cidades grandes. A luta do MDT é para que se efetive, como o prometido, o uso amplo, a partir de 2012,
do diesel com níveis de enxofre com 10 partes por milhão (S10). Melhorar a qualidade do diesel , utilização do biodiesel e do gás e implantação de sistemas metroferroviários e garantir melhor desempenho dos ônibus no tráfego urbano com as vias exclusivas de ônibus, será grande contribuição para garantir a qualidade do ar e combater o efeito estufa.. 

O MDT acredita que devam ser implementadas medidas de restrição da circulação de autos e motocicletas nas áreas congestionadas, bem como a implantação de uma política integração dos automóveis às pontas dos sistemas estruturais de transportes, a criação e implementação de políticas de estacionamento e de aumento do custo do combustível voltadas para desestimular o uso dos veículos particulares em favor do uso do transporte público.
 
Junto com a implantação de corredores exclusivos, é preciso empregar novas tecnologias de controle operacional dos ônibus na rua, informando aos usuários em tempo real quanto ele esperará nos pontos, nos terminais e mesmo saber através do celular como acontece nos aeroportos. Essa tecnologia já começa a ser implantada no país e vai mudar a confiabilidade das viagens e atrair usuários dos automóveis. O MDT defende que essas novidade tecnológica, que já  estão disponíveis no país e com varias cidades tomando a dianteira de implantá-las, sejam exigidas pelo poder público nas licitações dos novos sistema de BRTs. Para o MDT, principalmente nas maiores cidades, é preciso que se implante um amplo sistema integrado através da implantação ou ampliação da malha metroferroviária articulando-a aos sistemas de BRTs, com o máximo de aproximação entre os padrões de serviço de qualidade dos dois tipos de sistema.

DUAS AÇÕES EM DESTAQUE

Para finalizar, é preciso destacar dois aspectos cruciais do trabalho político do MDT e que estão lastreados naqueles cinco eixos mencionados. Um é a participação dos quadros do MDT nas Conferencias Nacionais das Cidades ,mas principalmente no Conselho das Cidades desde o seu nascimento, e o outro foi a opção para estar ao lado dos movimentos populares e ONG que lutam pela reforma urbana.

A participação no Conselho das Cidades principalmente do Comitê de Mobilidade Urbana Trânsito, Transporte, um espaço em que temos conseguido através de nossos pares, colocar a critica a política de estado de universalizar o acesso e uso dos automóveis e motocicletas em detrimento aos modais coletivos e não motorizados. Foi através desse espaço que foi se construindo o PAC da Copa, o PL da Mobilidade, o Projeto de Lei da Desoneração Tarifária e agora o PAC da Mobilidade e o PAC da Pavimentação e convencido o pleno do Conselho para defender essas propostas junto as instâncias do governo federal. Portanto, foi de lá que muitas das nossas propostas ganharam concretude

No próximo triênio, como resultado da 4a Conferência das Cidades, o MDT através dos membros do secretariado onde se destacam os Sindicatos dos Engenheiros de São Paulo e Bahia, da NTU da CNTT-CUT, das ONGs e Movimentos Populares Nacionais, e no segmento de entidades acadêmicas e profissionais onde a ANTP nessa gestão será titular e pela primeira vez a AEAMESP será conselheira e as entidades do Fórum Nacional de Reforma Urbana.

O outro aspecto foi a interação e a sinergia com Fórum Nacional da Reforma Urbana, que reúne os movimentos populares nacionais e as ONGs que lutam pela reforma urbana (moradias, saneamento e mobilidade urbana). O MDT empreendeu e continua empreendendo um grande esforço para mostrar como a luta pela mobilidade faz parte da luta pela reforma urbana e por moradia digna e saneamento para toda a população.

Para dar uma idéia dos resultados desse esforço, pode-se citar o documento que o Fórum Nacional da Reforma Urbana levou à 4a Conferência das Cidades que foi um dos principais canais para defender nossas propostas e que teve colaboração dos membros do MDT em sua redação.  Mais recentemente as propostas do MDT fizeram parte do documento “De Olho no Seu Voto“ também de responsabilidade desse Fórum da sociedade civil.

Outro exemplo está na realização, em abril de 2010, do primeiro curso piloto Mobilidade Urbana e Inclusão Social, durante o Encontro do Fórum Nordeste da Reforma Urbana.  Esse foi o primeiro passo do MDT no sentido de um amplo projeto de formação e sensibilização da sociedade para a importância da mobilidade e cujo público alvo são os movimentos sociais que integram o Fórum Nacional da Reforma Urbana. A base desse curso é  publicação “Mobilidade Urbana e Inclusão Social” que traz um panorama atual da mobilidade urbana no Brasil e apresenta a proposta do MDT – justamente um novo modelo de mobilidade, embasado na inclusão social e na sustentabilidade.

O foco desse modelo está na prioridade das ações públicas para o transporte público, no transporte não motorizado, na racionalidade e na eficiência energética nos deslocamentos urbanos e na acessibilidade universal, na paz no trânsito e na proteção aos pedestres, em especial os mais frágeis. O engajamento do MDT nas jornadas brasileira “Na Cidade Sem Meu Carro”. Que se realiza todo ano no dia 22 de setembro, também vai nessa direção. Precisamos conquistar inteligências e consciências para ampliar a concretude das propostas do MDT. hoje compondo os programas de luta de cada entidade que integra o Secretariado que dirige esse Movimento, que nasceu do Grupo de Pró Transporte, do qual a AEAMESP foi uma das lideranças, junto com a ANTP.

Muito obrigado!