1. O que é a Campanha pelo Limite da Propriedade da Terra?
Com o objetivo de conscientizar e mobilizar a sociedade brasileira sobre a necessidade e importância de se estabelecer um limite para a propriedade da terra, no ano 2000, o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo – FNRA, lançou a Campanha pelo Limite da Propriedade da Terra: em defesa da reforma agrária e da soberania territorial e alimentar.
Esta campanha foi criada para acabar com a histórica concentração fundiária existente no país. É preciso estabelecer um limite para a propriedade da terra se o Brasil quiser fazer valer um dos objetivos fundamentais da república que é o de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.” – artigo 3º, inciso III da Constituição.
Veja mais informações no Site da Campanha
2.O que é um Plebiscito Popular?
A participação popular é um direito dos cidadãos, pois ela está na essência do conceito de Estado Democrático de Direito. Ela pode ser exercida pela via indireta, quando se elege pelo voto, representantes que exercem o poder político em nome do população brasileira, ou pela via direta, quando a sociedade se manifesta diretamente sobre temas relevantes para o país, por meio de plebiscitos, referendos ou outra forma de iniciativa popular.
A participação popular legitima as decisões sobre os destinos a serem dados para a Nação, fazendo com que o povo seja protagonista direto deste processo. A Constituição Federal Brasileira de 1988, no seu artigo 14, determina que “a soberania popular será exercida pelo voto direto e secreto, e também, nos termos da lei, pelo plebiscito, referendo e pela iniciativa popular.” Segundo o artigo 49, XV, compete ao Congresso Nacional, autorizar um referendo e convocar um plebiscito.
Mas a prática de consultar o povo está muito longe de ser concretizada. Até o presente só tivemos um plebiscito e um referendo convocados pelo governo. Diante disto, a sociedade civil organizada tem lançado mão de plebiscitos de iniciativa popular para que a sociedade possa se manifestar sobre problemas relevantes que atingem a vida de cada brasileiro. Mesmo não tendo valor jurídico legal, esta consulta popular tem um grande valor simbólico para mostrar que a sociedade está atenta às grandes questões nacionais e que, por isso mesmo, deveria ser ouvida com respeito e atenção.
3. Por que limitar as propriedades de terras no Brasil?
O Brasil é o campeão mundial em concentração de terra. E está comprovado que a pequena propriedade familiar é a principal produtora de alimentos que chega à mesa dos brasileiros. Ela é responsável por toda a produção de hortaliças, com 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo; 58% do leite, 59% dos suínos, 50% das aves.
Ela emprega 74,4% das pessoas ocupadas no campo, enquanto que as grandes empresas do agronegócio só empregam 25,6% da mão de obra do total.
Enquanto a pequena propriedade ocupa a cada cem hectares 15 pessoas, as empresas do agronegócio ocupam 1,7 pessoas a cada cem hectares.
Os estabelecimentos com até 10 hectares apresentam os maiores ganhos por hectare, chegando até R$ 3.800,00.
A concentração de terras no latifúndio e grandes empresas expulsa as famílias do campo, jogando-as nas favelas e áreas de risco das grandes cidades e é responsável diretamente pelos conflitos e a violência no campo. Somente nos últimos 25 anos foram registrados os seguintes dados: 1.546 trabalhadores assassinados e houve uma média anual de 2.709 famílias expulsas de suas terras. 13.815 famílias foram despejadas. 422 pessoas presas por conflitos agrários.765 conflitos no campo diretamente relacionados à luta pela posse da terra. 92.290 famílias envolvidas em conflitos por terra.
Além do mais, as grandes empresas latifundiárias lançam mão de relações de trabalho análogas às do trabalho escravo. Em 25 anos foram registradas 2.438 ocorrências de trabalho escravo, envolvendo 163 mil trabalhadores escravizados.
4. Existem limites em outros países do mundo?
Sim. O limite para a propriedade da terra não é uma novidade. Muitos países o adotaram com sucesso. Na Coréia do Sul, Malásia, Japão, Filipinas e Tailândia a redistribuição da terra foi um instrumento para o desenvolvimento econômico e social.
Países que estabeleceram limites para a propriedade no século XX:
País |
Ano |
Hectares |
País |
Ano |
Hectares |
Japão |
1946 |
12 |
Índia |
1972 |
21,9 |
Itália |
1950 |
300 |
Sri Lanka |
1972 |
20 |
Coréia do Sul |
1950 |
3 |
Argélia |
1973 |
45 |
Taiwan |
1953 |
11,6 |
Paquistão |
1977 |
8 |
Indonésia |
1962 |
20 |
El Salvador |
1980 |
500 |
Cuba |
1963 |
67 |
Nicarágua |
1981 |
700 |
Síria |
1963 |
300 |
Bangladesh |
1984 |
8,1 |
Egito |
1969 |
21 |
Filipinas |
1988 |
5 |
Peru |
1969 |
150 |
Tailândia |
1989 |
8 |
Iraque |
1970 |
500 |
Nepal |
2001 |
6,8 |
Fonte: Carter, Miguel. Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no Brasil. São Paulo, Editora da Unesp, 2010, p. 48.
5. Qual é o limite proposto pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo?
O Fórum propõe um limite de 35 módulos fiscais, que varia de região para região – entre cinco e cento e dez hectares cada módulo – e é definido para cada município de acordo com a situação geográfica, a qualidade do solo, o relevo e as condições de acesso.
O limite de 35 módulos significa uma variação entre 175 hectares, em casos de imóveis próximos às capitais com boa infra-estrutura e de fácil acesso aos mercados consumidores e até 3.500 hectares, em boa parte da região da amazônica.
Confira as variações dos módulos fiscais em seu estado:
ESTADO |
MÓDULO MÁXIMO (em hectare) |
MÓDULO MÍNIMO (em hectare) |
MAIS FREQUENTE (em hectare) |
Norte |
|
|
|
Rondônia |
60 |
60 |
60 |
Acre |
100 |
70 |
100 |
Amazonas |
100 |
10 |
100 |
Roraima |
100 |
80 |
80 |
Pará |
75 |
5 |
70 |
Amapá |
70 |
50 |
70 |
Tocantins |
80 |
70 |
80 |
Sul |
|
|
|
Rio Grande do Sul |
40 |
5 |
20 |
Santa Catarina |
24 |
7 |
20 |
Paraná |
30 |
5 |
18 |
Nordeste |
|
|
|
Maranhão |
75 |
15 |
70 |
Piauí |
75 |
15 |
70 |
Ceará |
90 |
5 |
55 |
Rio Grande do Norte |
70 |
7 |
35 |
Paraíba |
60 |
7 |
55 |
Pernambuco |
70 |
5 |
14 |
Alagoas |
70 |
7 |
16 |
Sergipe |
70 |
5 |
70 |
Bahia |
70 |
5 |
65 |
Sudeste |
|
|
|
Minas Gerais |
70 |
5 |
30 |
Espírito Santo |
60 |
7 |
20 |
Rio de Janeiro |
35 |
5 |
10 |
São Paulo |
40 |
5 |
16 |
Centro Oeste |
|
|
|
Mato Gr. do Sul |
110 |
15 |
45 |
Mato Grosso |
100 |
30 |
80 |
Goiás |
80 |
7 |
30 |
Distrito Federal |
5 |
5 |
5 |
6. O que é um módulo fiscal?
O módulo fiscal é uma referência, estabelecida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA-, que define a área mínima suficiente para prover o sustento e a vida digna de uma família de trabalhadores e trabalhadoras rurais. Ele varia de região para região – entre cinco e cento e dez hectares- e é definido para cada município a partir da análise de várias regras, como por exemplo, a situação geográfica, qualidade do solo, o relevo e condições de acesso.
A criação do módulo fiscal foi uma tentativa de adequar as propriedades às realidades regionais e municipais. Essa concepção está presente nas leis como, por exemplo, na Lei nº. 8.629. Essa lei foi instituída em 1993 para regulamentar os artigos 184, 185 e 186, da Constituição Federal, que tratam da reforma agrária. Essa Lei estabeleceu, em seu art. 4º, que a pequena propriedade é aquela “de área compreendida entre um e quatro módulos fiscais” – Inciso II. No mesmo artigo, estabelece-se que a média propriedade é aquele imóvel que possui “área superior a quatro até quinze módulos fiscais” – Inciso III. Esta definição é importante porque os imóveis abaixo deste tamanho não são passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária, segundo consta no art. 185 da Constituição.
7. Por que o FNRA propõe um limite de 35 módulos fiscais?
Mesmo tendo este parâmetro legal de até 15 módulos para a média propriedade, o Fórum Nacional de Reforma Agrária propôs como limite máximo, 35 módulos. As entidades do Fórum entendem que, mesmo estabelecendo um limite máximo, a estrutura fundiária brasileira continuará composta de pequenas, médias e grandes propriedades.
O limite de 35 módulos significa uma variação entre 175 hectares, em casos de imóveis próximos às capitais, portanto, assistidos com infra-estrutura e bom acesso aos mercados consumidores e 3.500 hectares, em boa parte da região da amazônica. Este limite supera o limite máximo estabelecido na Constituição.
8. Como estão distribuídas as terras no Brasil?
A grande maioria das terras brasileiras está nas mãos de poucos. A concentração da propriedade da terra no Brasil remonta à época do descobrimento quando os portugueses aqui aportaram e se declararam senhores de tudo desconhecendo as populações aqui existentes.
Esta concentração perdura até hoje conforme revelam os dados do último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2006. Quase 50% dos estabelecimentos agropecuários no Brasil têm menos de 10 hectares e ocupam somente 2,36 % da área. Na outra ponta do espectro fundiário, menos de 1% dos estabelecimentos rurais (46.911), tem área acima de um mil hectares cada, e ocupam 44% das terras. Vejam detalhes na tabela:
Número de estabelecimentos e Área dos estabelecimentos agropecuários por grupos de área total |
||||
Grupos de área total |
Variável |
|||
Número de estabelecimentos (unidades) |
% |
Área dos estabelecimentos (hectares) |
% |
|
Menos de 10 hectares |
2.477.071 |
47,86 |
7.798.607 |
2,36 |
10 a menos de 100 hectares |
1.971.577 |
38,09 |
62.893.091 |
19,06 |
Menos de 100 hectares |
4.448.648 |
85,96 |
70.691.698 |
21,43 |
100 a menos de 1000 há |
424.906 |
8,21 |
112.696.478 |
34,16 |
1000 ha e mais |
46.911 |
0,91 |
146.553.218 |
44,42 |
Total |
5.175.489 |
100,00 |
329.941.393 |
100,00 |
Fonte: IBGE (2009) – Censo Agropecuário de 2006
Os estabelecimentos com mais de 2.500 hectares são só 15.012 e ocupam 98.480.672 hectares. Dezoito milhões de hectares a mais do que os quase quatro milhões e meio de estabelecimentos familiares. Como se refere à tabela que antes, deveria se dizer em vez de estabelecimentos familiares, estabelecimentos com 100 hectares ou menos.
9. O que o limite das propriedades rurais tem haver com o povo das cidades?
A elevada concentração fundiária brasileira dá origem a relações econômicas, sociais, políticas e culturais cristalizadas em um modelo inibidor de um desenvolvimento que combine a geração de riquezas e o crescimento econômico, com justiça social e cidadania para a população rural.
O modelo de desenvolvimento adotado hoje para o campo que estimula o agronegócio com suas imensas monoculturas gera um crescimento econômico perverso que empobrece a maioria da população e as expulsa do campo, inchando as grandes cidades, e jogando grande parte de sua população em situações de extrema pobreza e necessidade.
Sobre este processo de urbanização, os dados do IBGE são impressionantes e demonstram que em 1890 o Brasil possuía 14 milhões de habitantes e apenas 6,8% da população vivia nas cidades, em 1900, este número aumenta para 10%, em 1940 para 23%, em 1970 para 60%, e em 2002 este número passa para mais de 80%, com mais de 50 milhões de pessoas vivendo nas regiões metropolitanas.
O efeito desta expulsão dos pobres do campo contribuiu para a consolidação de enormes latifúndios e tem impacto sem precedentes, com um enorme processo de favelização, expansão horizontal das periferias, formando um verdadeiro cinturão de miseráveis no anel periférico das cidades e regiões metropolitanas do país.
No cenário urbano vão se formando e se consolidando duas cidades divididas: uma cidade formal, com todos os bens e serviços próximos das regiões valorizadas e bem servidas de infra-estrutura, e outra cidade informal, uma “não-cidade”, onde as pessoas vão se virando para morar de forma improvisada e extremamente precária. Mais de 11 milhões de famílias vivem em favelas, em loteamentos irregulares e em áreas de risco.
10. O que posso fazer para contribuir com a campanha e com o plebiscito popular?
A realização e o sucesso do plebiscito dependem única e exclusivamente da participação e do empenho de cada um, de cada entidade, organização e pastoral, uma vez que não existe nenhum apoio público e da mídia. Representa a força e a determinação de quem acredita em que algo pode ser feito para corrigir esta absurda concentração de terras que acaba por excluir milhões de famílias de terem seus direitos protegidos.
- Fale, comente e divulgue, também pela internet e redes sociais (orkut, twitter), o plebiscito para seus amigos, sua família e colegas de trabalho.
- Integre-se aos comitês locais ou estaduais que vão organizar o Plebiscito.
Na Semana da Pátria:
- Intensifique a divulgação;
- Ajude a organizar os locais de votação;
- Participe de alguma mesa de votação;
- VOTE;
- Assine o abaixo-assinado que será levado ao Congresso Nacional para que seja votada uma emenda constitucional que determine um limite ao tamanho das propriedades;
- Na hora de escolher seus governantes e representantes para o Senado e a Câmara dos Deputados, vote naqueles que se comprometem a aprovar a Proposta de Emenda Constitucional – PEC 438 que confisca as propriedades onde se pratica o trabalho escravo, e que proponham uma emenda à Constituição para que seja determinado um limite à propriedade;
- Não vote naqueles que sempre defenderam o direito absoluto à propriedade sem se preocupar com os direitos dos outros.
11. A quem pertence a Terra?
Olhando a realidade à nossa volta, dominada pela brutal mercantilização da vida, em que todas as coisas são transformadas em mercadorias e dominados pelo mundo dos negócios, dizemos que a terra pertence aos que detém o poder, aos que controlam os mercados, aos que podem vender e comprar seu chão, seus bens e serviços, água, genes, sementes, alimentos, ar, energia, lazer, comunicação, transporte, segurança, educação, órgãos humanos e até mesmo pessoas feitas também mercadorias. Estes pretendem ser os donos da terra e dispõem dela como bem entendem.
Mas são donos ridículos, pois esquecem que não são donos deles mesmos, nem de sua origem nem de sua morte.
A quem pertence a terra? A resposta mais sensata e satisfatória nos vem das religiões, bem representadas pela tradição judaico-cristã. Nesta, Deus diz: “Minha é a terra e tudo o que ela contém e vocês são meus hóspedes e inquilinos” (Lv 25,23). Só Deus é senhor da terra e não passou escritura de posse a ninguém. Nós somos hóspedes temporários e simples cuidadores com a missão de torná-la o que um dia foi: o Jardim do Éden. Por ser geradora de vida, a terra possui a dignidade e o direito de ser cuidada e protegida.
12. Como está o planeta terra?
Vivemos um momento da história em que está em jogo nosso futuro comum. O encadeamento de crises e especialmente a questão ecológica podem originar uma tragédia de enormes proporções, que impõe a urgente adoção de medidas pessoais em nossa maneira de nos relacionar com a terra e urgentíssimas medidas políticas. O que importa não é a salvação do status quo, mas a salvação da vida e do sistema terra. Esta é a nova centralidade, que redefinirá os grandes rumos da política e das leis.
Hoje, aflora, em vários setores da sociedade, uma nova consciência que considera a terra e a humanidade como parte de um vasto universo em evolução, que possuem o mesmo destino e constituem, em sua complexidade, uma única entidade.
13. E a crise ambiental?
Como a crise ambiental deve ser enfrentada globalmente, é preciso definir o “bem comum da terra e da humanidade”. As características do bem comum são a universalidade e a gratuidade. Deve incluir todos, pessoas e povos, e ao mesmo tempo é oferecido a todos gratuitamente porque representa o que é essencial, vital e insubstituível para a humanidade e a própria Terra. O primeiro bem é a terra, que é condição para todos os outros bens.
A biosfera é um patrimônio que a humanidade deve tutelar. Isto vale para todos os recursos naturais: ar, água, fauna, flora, micro-organismos e também para a manutenção do clima. Por isso as mudanças climáticas devem ser enfrentadas globalmente, como uma responsabilidade compartilhada. Fazem parte do patrimônio comum os bens públicos a serviço da vida, como os alimentos, as sementes, a eletricidade, as comunicações, os conhecimentos acumulados pelos povos e pela pesquisa, pelas culturas, artes, técnicas, música, religiões, saúde, educação e segurança.
O segundo bem comum é a humanidade, com seus valores intrínsecos como portadora de dignidade, consciência, inteligência, sensibilidade, compaixão, amor e abertura para o Todo. A humanidade aparece como um projeto infinito e por isso sempre inacabado. O fecundo conceito de bem comum proíbe que sejam patenteados recursos genéticos fundamentais para a alimentação e a agricultura, enquanto as descobertas técnicas patenteadas devem sempre ter um destino social. Pertence ao bem comum da humanidade e da Mãe Terra a convicção de que uma energia benfeitora está subjacente a todo o universo, sustenta cada um dos seres e pode ser invocada, acolhida e venerada.
Obs.: Organize aí na sua comunidade e cidade o Plebiscito Popular sobre o limite da Propriedade. Ajude nessa luta tão necessária, justa e sublime.
Confissões do Latinfúndio
Pedro Casaldáliga Bispo Emérito de São Felix do Araguaia, MT
Por onde passei, plantei a cerca farpada, plantei a queimada. Por onde passei,
plantei a morte matada.
Por onde passei, matei a tribo calada, a roça suada, a terra esperada…
Por onde passei,tendo tudo em lei, eu plantei o nada.