A Câmara dos Deputados promoveu hoje (05/10), na Comissão de Legislação Participativa, audiência pública que marcou a protocolização de projeto de lei (PL) que cria o Programa Nacional de Moradia por Autogestão, fruto de uma construção coletiva de movimentos sociais, associações e cooperativas participantes da Jornada Nacional de Luta pela Moradia. A proposta foi recebida pelo presidente da comissão, deputado Waldenor Pereira (PT-BA). “É através dessa comissão que o Parlamento recebe sugestões da sociedade organizada para transformá-las em proposições legislativas”, explicou Pereira.
No modelo de autogestão uma comunidade gere o processo de solução habitacional, participando de todas as etapas de construção, desde a definição do terreno, o desenvolvimento do projeto, a escolha de equipe técnica até a definição das formas de construção. A prática, no entanto, depende dos programas voltados à habitação. Ocore que, com o fim do Minha Casa Minha Vida, acabou também o MCMV Entidades, considerado uma experiência exitosa de autogestão.
“A autogestão é simples, pois coloca como protagonista quem vai morar. Não é o Secretário da Habitação, não é o Ministro, não é coordenador do movimento, não é o engenheiro e não é o arquiteto”. Essa foi a ideia defendida pela militante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP), Evaniza Lopes Rodrigues, durante audiência pública. “Para nós, moradia é direito, e se é direito, não é mercadoria”.
Segundo a proposta, o Programa Nacional de Moradia por Autogestão deve atender famílias com renda mensal de até R$ 6 mil, em áreas urbanas, ou com renda anual de até R$ 72 mil, em áreas rurais.
“Essa é uma luta de muito tempo, que passou pela construção do Fundo Nacional de Habitação Popular, o Estatuto das Cidades e o próprio Ministério das Cidades. Não é uma vitória de uma pessoa só. Que os trabalhadores sejam protagonistas de sua trajetória”, salientou Evaniza Rodrigues.
O modelo de moradia por autogestão foi defendido, entre outros participantes, pela representante do CAU Brasil na audiência, a arquiteta e urbanista Maíra Rocha Mattos, conselheira federal pelo RJ. “A autogestão será uma forma de democratizar o acesso à Arquitetura e Urbanismo, trazendo moradias melhores e cidades mais justas, principalmente para os trabalhadores, os mais afetados pela pandemia”.
Após lembrar que pesquisa CAU Brasil/DataFolha revelou que 85% das moradias do país são construídas por leigos e que estudo da Fundação João Pinheiro revela a existência no país de 25 milhões de habitações inadequadas, a conselheira afirmou que atacar este problema é algo inadiável. “É um investimento que salva vidas ao melhorar as condições de salubridade das moradias”.
“Pensar a moradia popular autogestionada é um solução que inverte a lógica cruel que tem norteado os investimentos em habitação no Brasil nas últimas décadas. Uma política focada na promoção ao direito à moradia acima dos interesses das empreiteiras e das construtoras”, afirmou ela.
“É enxergar a moradia como um direito básico que apoia a outros tantos direitos”, disse a conselheira, ressaltando que tratar de uma moradia popular de qualidade, bem localizada, com acesso a infraestrutura e saneamento básico, é tratar do direito à cidade e também da promoção da saúde pública. “O acesso a modais de transportes, postos de trabalho e equipamentos públicos como escolas e postos de saúde também coloca o direito na mulher em perspectiva”.
Maíra Mattos lembrou que muitos estudos acadêmicos comparativos entre as modalidades Minha Casa Minha Vida Mercado e o MCMV Entidades ressaltam que este último teve resposta de grande qualidade arquitetônica e social e de grande economia no que se refere aos recursos aplicados. “Outro fato é que nunca teve tanto recurso para habitação no país como no MCMV e, no entanto, não fizemos frente ao déficit habitacional. Precisamos focar em quem mais precisa, a faixa 1, os trabalhadores em situação mais precária”.
Além disso, afirmou a conselheira, a autogestão gera um envolvimento maior das famílias auto atendidas, “o que possibilita o desenvolvimento de um projeto que atenda mais às necessidades das famílias envolvidas, trazendo uma dinâmica participativa que é essencial aos arquitetos, engenheiros e técnicos que atuam no empreendimento saberem como colocar suas ferramentas de trabalho à disposição das famílias”.
Outro aspecto importante, afirmou Maíra Mattos, é o maior controle e a maior transparência dos recursos utilizados, trazendo mais segurança para o empreendimento e evitando desperdícios e desvios de orçamentos. “O envolvimento dos moradores a partir de movimentos atuantes também garante a segurança de posse, evitando que se repita o que ocorreu em muitos conjuntos MCMV onde vários usuários finais foram expulsos de suas unidades”.
Ao finalizar, a conselheira lembrou a campanha “Mais Arquitetos” que o CAU Brasil tem promovido em defesa da implementação da Lei de Assistência Técnica (ATHIS) em mais cidades do país.
A Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) colaborou na elaboração do PL. Sua presidente, Eleonora Mascia, destacou que “a pauta da habitação é urgente, por isso, estaremos lado a lado dos movimentos populares para acelerar o processo e transformar a autogestão em uma política pública”. A Jornada Nacional de Luta por Moradia é convocada nacionalmente pela Central de Movimentos Populares (CMP), Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e a União Nacional por Moradia Popular (UNMP).
A matéria, cujo relator na CLP será o deputado federal João Daniel (PT-SE), foi discutida por representantes de 11 entidades e movimentos sociais do Brasil e de países da América Latina como Argentina, Uruguai, México e Guatemala. O tema vem sendo articulado e defendido há cerca de 30 anos por coletivos como a UNMP, que encabeça o PL, Central de Movimentos Populares (CMP), Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Movimento de Luta nos Bairros e Vilas e Favelas (MLB). Além da audiência pública, esses coletivos estavam em Brasília desde a segunda-feira (04/10), para a Jornada Nacional de Luta pela Moradia.
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