A União Nacional por Moradia Popular e a luta pelo direito à habitação no Brasil
A União Nacional por Moradia Popular (UNMP) iniciou sua articulação em 1989, a partir do processo de coletas de assinaturas para o primeiro Projeto de Lei de Iniciativa Popular realizado no Brasil, que em 2005 daria origem ao Sistema, Fundo e Conselho Nacional por Moradia Popular (Lei 11.124/05). A partir desta ação conjunta, os movimentos de moradia dos estados do Paraná, São Paulo e Minas Gerais iniciaram um processo de articulação que resultou na consolidação da UNMP, em 1993, no primeiro Encontro Nacional por Moradia Popular. Desde então, a atuação da UNMP se dá nas áreas de favelas, cortiços, mutirões, ocupações e loteamentos, com o objetivo de articular e mobilizar os movimentos de moradia, lutar pelo direito à moradia, por reforma urbana e autogestão, e assim resgatar a esperança do povo rumo a uma sociedade sem exclusão social.
Passados 30 anos, o movimento já está presente em 16 Estados brasileiros: Paraná (PR), Rio Grande do Sul (RS), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Minas Gerais (MG), Bahia (BA), Sergipe (SE), Alagoas (AL), Pernambuco (PE), Paraíba (PB), Maranhão (MA), Goiás (GO), Distrito Federal (DF), Amazonas (AM), Tocantins (TO), Pará (PA). A forma de organização da UNMP tem uma forte influência da metodologia das Comunidades Eclesiais de Base, que contribuíram diretamente na formação de grande parte de suas lideranças. Trabalha-se com grupos de base nos bairros, ocupações e favelas, articulados em movimentos regionais e municipais, que por sua vez se articulam em âmbito estadual. Os estados possuem representação em uma Coordenação Nacional, indicada nos Encontros Nacionais por Moradia Popular.
As principais bandeiras de luta da UNMP são a autogestão, o direito à moradia e à cidade, a participação popular nas políticas públicas e a luta pelo fim dos despejos e contra a criminalização dos movimentos sociais. Tais objetivos se traduzem em reivindicações, lutas concretas e propostas dirigidas ao poder público nas três esferas de governo. Nesse sentido, a UNMP se posiciona ativamente frente ao Estado, buscando a negociação e a ação propositiva, sem deixar de lado as ferramentas de luta e pressão do movimento popular.
Ao longo de toda sua história, a UNMP foi fundamental na articulação e elaboração de propostas habitacionais no âmbito do Governo Federal, com participação direta na mobilização e conquista da inclusão do direito à moradia na Constituição, na aprovação do Estatuto das Cidades e na realização da Conferência das Cidades e na conquista do Conselho Nacional das Cidades. Também merece destaque a participação da UNMP, em 2004 e 2005, do processo de construção, junto ao governo federal, de um novo Sistema Nacional de Habitação, com a incorporação das propostas desenvolvidas no projeto de lei de iniciativa popular elaborado no final dos anos 1980 e início de 1990.
Em 2004, a UNMP conquistou financiamento, junto ao Ministério das Cidades, para construção de moradias por autogestão no âmbito do Programa Crédito Solidário. Em 2007, lutou pelo acesso direto aos recursos do FNHIS, pelo Programa Produção Social da Moradia. Nos anos seguintes, participou diretamente da luta que deu origem ao Programa Minha Casa Minha Vida-Entidades (MCMV-E), com a defesa da autogestão como forma de efetivação do direito à moradia. Na atual conjuntura, pós golpe de 2016 no Brasil, a luta é pela continuidade do programa. Os efeitos nas cidades do avanço autoritário foram de piora significativa na vida das pessoas, com aumento no custo de vida, do desemprego e dos índices de pobreza e miséria. Além disso, foram completamente paralisadas as políticas voltadas à construção de moradia popular, urbanização de favelas, saneamento e mobilidade, além de completa interrupção nas contratações do MCMV-E. O golpe também atinge espaços de participação social como as Conferências e Conselhos, igualmente paralisados. Frente a isso, a UNMP aponta a necessidade de se buscar maior coesão da atuação do movimento social, em articulação com as outras forças que compõem o campo democrático-popular, como as organizações sindicais e os partidos de esquerda.
Importante também ressaltar o trabalho da UNMP com as favelas e ocupações, a juventude e as mulheres. Por meio de secretarias organizadas nos estados, a UNMP promove formações, debates e organiza ações relacionadas a temas como despejos, regularização fundiária, infraestrutura urbana, acesso a redes de energia e água e tarifas de serviços essenciais. As mulheres, por sua vez, realizam um processo de auto-organização, com a articulação de diferentes atividades, correlacionando o direito à moradia com os direitos das mulheres. Todos os anos, participa ativamente da construção do Dia Internacional de Luta das Mulheres, o 8 de março, com a elaboração de pauta específica das mulheres sem-teto. Da mesma forma, a juventude da UNMP constrói, em coletivo, soluções e ações para a demanda jovem, internamente nos movimentos, na cidade e também no espaço político.
A autogestão
O Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social reconhece os movimentos, cooperativas e associações sem fins lucrativos como parte do Sistema e a autogestão na habitação como uma das formas de produção habitacional. Isso decorre do reconhecimento público da importância e competência dos movimentos na produção habitacional e da autogestão como forma de atuação. A autogestão é reconhecida porque: i) mobiliza o povo pobre, que passa a compreender que direito se conquista; ii) combate o clientelismo e a corrupção no atendimento das demandas; iii) coloca capacidades econômicas e de gestão na mão das comunidades; iv) questiona a transferência de riqueza pelo Estado para a mão dos privados; v) e questiona a noção de moradia como mercadoria e fonte de lucro para o capital, ao produzir sem lucro. No seu último encontro, a UNMP discutiu a importância de lutar por uma lei para garantir a produção habitacional com autogestão e propriedade coletiva, algo que já existe no Uruguai. Para que o Brasil avance nessa conquista, a UNMP realiza, desde 2017, debates e formações, ressaltando a importância de dar visibilidade a essas experiências. Defender a autogestão, neste momento de ataque autoritário na América Latina, é fundamental como ferramenta de fortalecimento do povo pobre que se organiza e luta por direitos.